quarta-feira, abril 17, 2013

Assunto Importante: Na temática "Índio na sociedade brasileira"


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COTIDIANO

Guarani-kaiowá: Demarcação inconclusa provoca invasão e morte no MS


Por Ruy Sposati
Do Cimi
Um cabo reformado da Polícia Militar (PM) invadiu a cavalo a aldeia Ita'y, na Terra Indígena Lagoa Rica/Panambi, município de Douradina, Mato Grosso do Sul, na última sexta-feira, 12. Armado com revólver e facão, Arnaldo Alves Ferreira efetuou seis disparos contra os guarani kaiowá, acertando o indígena João da Silva na orelha. O PM possuía um terreno dentro da área identificada como terra indígena, a cerca de 300 metros da aldeia.
Os indígenas já haviam registrado Boletim de Ocorrência denunciando Arnaldo às autoridades, em função de outra violência praticada por ele contra a comunidade dois dias antes.
Revólver e Facão
Segundo relato dos indígenas, Arnaldo invadiu a aldeia montado em um cavalo e munido de revólver e facão, cerca de meio dia e meia da sexta-feira, 12. "Ele foi na casa de um idoso e disse pra ele: 'você vai morrer', na frente da filha e da esposa", relata um indígena da aldeia que prefere não ser identificado. "Depois ele virou pra esposa e disse: 'a senhora vai ficar viúva hoje'".
Mais:
Durante o ataque, integrantes da comunidade indígena conseguiram desarmar o militar reformado, defendendo-se dos disparos. Arnaldo foi mantido seguro pela comunidade, que informou a ocorrência à polícia local. O PM e o indígena ferido foram encaminhados ao Hospital da Vida, em Dourados. Arnaldo morreu ainda na ambulância; o kaiowá ferido foi preso pela polícia, acusado de homicídio em flagrante.
B.O.
"Faz muitos anos que nós temos problemas com ele. Ele não gosta da gente. Deixava o cavalo comer na nossa roça, soltava o gado na aldeia. Já matou a tiro um monte de cachorros nossos e até bateu em gente da comunidade", relata um indígena de Ita'y.
Nas últimas semanas, Arnaldo havia resolvido cercar sua propriedade com cercas elétricas. "O problema é que a cerca fica bem na estrada que nós dois [indígenas e o PM] usamos e também no lugar onde as crianças esperam o ônibus escolar", relata o kaiowá. A comunidade pediu ao cabo reformado que deixasse de utilizar a cerca elétrica. A exigência não foi aceita, e os indígenas teriam então, por duas vezes, desativado a cerca.
Agressão
Na madrugada de terça para quarta-feira, Arnaldo esteve na aldeia. "Ele veio por causa da cerca. Ele entrou na casa de um homem gritando e bateu nele com o cabo do facão", explica. O indígena que sofreu violência registrou boletim de ocorrência e realizou exame de corpo de delito, cujo resultado deverá ficar pronto na segunda-feira, 15.
Os kaiowá de Ita'y já temiam um ataque do policial. "Nós fizemos B.O. na polícia e avisamos Funai, MPF, Força Nacional que existia esse problema e estávamos com medo de acontecer algo. E aconteceu", lamenta.
Questão da Terra
"A forma como a imprensa local está contando a história e como os ruralistas a estão utilizando é absolutamente manipulada, e consequentemente criminosa", afirma o coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul, Flávio V. Machado. "O policial não morreu 'em sua propriedade', espancado, torturado ou a flechadas, conforme disseram os jornais locais e notas de entidades do agronegócio. Ele morreu invadindo novamente uma aldeia indígena, ameaçando a vida dos moradores e atirando contra eles", conta.
Para Flávio, a responsabilidade da morte do PM é do governo federal. "Esta situação está diretamente ligada à morosidade do Estado em completar o processo de demarcação das terras kaiowá e guarani em Mato Grosso do Sul", argumenta. "Os indígenas agiram em legítima defesa, uma vez que foram atacados de maneira covarde por um homem violento e preconceituoso. Isto está registrado". Além do Boletim de Ocorrência notas técnicas do Ministério Público Federal também registram as denúncias feita pela comunidade indígena sobre as ameaças sofridas por parte PM. "Na ocasião tanto a polícia, quanto a promotoria de Dourados foram acionados para apurar a denúncias”, relembra Flávio.
Manipulação da Mídia
O coordenador do Cimi crítica a manipulação dos fatos, que está sendo usada pelos ruralistas em favor de suas pautas. "Os ruralistas estão usando do fato para responsabilizar o governo federal pelo caso, acusando-o de fomentar a violência ao demarcar as terras indígenas, e com isso tentando acelerar a aprovação de suas pautas, como é o caso da PEC 215 ou o julgamento dos embargos declaratórios envolvendo as dezenove condicionantes do caso de Raposa Serra do Sol. Ora, é justamente o contrário! A responsabilidade é sim do governo federal, mas justamente porque ele não está cumprindo com sua obrigação constitucional e demarcando, de uma vez por todas, as terras tradicionalmente ocupadas pelos guarani e kaiowá. E é inaceitável que, mais uma vez, queiram que os guarani e kaiowá paguem mais essa conta”, conclui.
Com a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) na década de 40, os indígenas daquela área foram removidos de seus territórios tradicionalmente ocupados e colocados na Reserva Indígena de Dourados.
Em 2005, o movimento de reivindicação do território de Lagoa Rica se intensificou, levando ao início da identificação da área, em 2008, e também à retomada de dois Tekoha (territórios tradicionais): Guirakambi'y e Ita'y, onde ocorreu o ataque. Em dezembro de 2011, foi publicado pela Funai o relatório antropológico que identificou 12,1 mil hectares do território tradicional como Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica. A terra do PM reformado fica dentro da área identificada.
Reintegração
A Justiça Federal concedeu liminar de reintegração de posse para o fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, assassino confesso do guarani-kaiowá de 15 anos, Denilson Barbosa. Orlandino é proprietário de uma fazenda que incide sobre o território tradicional Pindo Roky, próximo à reserva indígena de Tey'ikue, no município de Caarapó, no Mato Grosso do Sul.
Segundo a decisão, os indígenas tem dez dias para deixar o local, a partir da publicação da liminar. Se não deixam a área, uma multa de 10 mil reais diários deverá ser paga pela comunidade, e 100 mil reais pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A juíza acrescenta mais 20% de multa sobre o valor da causa, a ser pago pelos servidores do órgão indigenista em Dourados, "cientes de que a responsabilidade pelo pagamento desta multa é pessoal", conforme decisão. A Funai entrará com recurso contra a decisão.
Retirada do Corpo
Ainda, a juíza exige que a Funai "proceda à exumação e traslado do corpo do jovem indígena sepultado na fazenda", enterrando o corpo de Denilson no cemitério de Tey'ikue, "segundo as regras sanitárias vigentes".

O território estava totalmente invadido pela fazenda, até que a morte de Denilson desencadeou um processo de retomada da área. A família sepultou Denilson no local do assassinato e desde 18 de janeiro, cerca de 500 indígenas estão acampados no local, e reivindicam a área conhecida pelos Kaiowá como Tekoha - "o lugar onde se é" - Pindo Roky.
Resistência

Por temerem outros assassinatos e a perseguição direta contra lideranças, um grupo de Kaiowá é quem responde publicamente sobre os assuntos da retomada, sob o nome de Comissão do Acampamento do Tekoha Pindo Roky.

"A gente não vai sair. Só se sair morto, já tá decidido", afirma uma das lideranças da comissão. "Tem pessoas de 80 anos, 70 anos que tá no Tekoha e já tá tudo decidido. Hoje tem 500 pessoas e uns 80 barracos e vai vir mais gente pra ajudar a resistir. Pode vir Tropa de Choque, Polícia Federal, quartel, tudo o que mandarem. A gente só sai morto".

Justiça Federal

Depois da ocupação dos indígenas, o fazendeiro entrou com pedido de reintegração de posse na Justiça estadual, que se declarou incompetente para julgar o caso por se tratar de conflitos fundiários envolvendo indígenas. O juiz estadual remeteu então o processo à Justiça Federal. A juíza da 1a. Vara Federal de Dourados, Raquel Domingues do Amaral, expediu liminar favorável ao proprietário rural na última quinta-feira, 11.

"Tudo isso se trata de uma questão só, que é a questão da terra", expõe o indígena. "Essa terra onde nós estamos, nós sabemos que é nossa, dos nossos antepassados, dos avós, tataravós. Ela já tava no estudo antropológico. [Retomar a terra] agora é um segundo passo já. Nós resistimos faz 513 anos. Não é agora que vamos arredar o pé", conclui.